Dante Mendonça: Vai nevar?

Foto sem crédito.
“Vai ou não vai nevar?”, perguntou dona Hilária ao neto, que respondeu ao celular: “Neva, não! Por enquanto, neve só na serra gaúcha e catarinense: São Joaquim, Urupema, Urubici e Bom Jardim da Serra”. Hilária, que não só de nome é uma graça, insistiu: “E aqui em General Carneiro, neva ou não neva?”.

“Acabei de consultar o Simepar”, respondeu o neto: “Em General Carneiro o tempo é nublado com chuva, a mínima é de 1 grau”. Para dona Hilária, um grau positivo só serve para tomar sopa de cebola: “Lamentável, mais uma vez vamos perder para os catarinas! E em Palmas, nossa última esperança?”. Do Terceiro Planalto paranaense o Simepar também não traz boas novas para dona Hilária. Com friagem semelhante a General Carneiro, para sexta-feira o termômetro promete menos um grau, com sol e muitas nuvens, o que vai trazer felicidade para os vendedores de gorros, luvas e cachecóis, menos para a esperançosa dona Hilária.

– Se não vai nevar no Paraná, meu querido, vamos para Santa Catarina que eu não quero morrer sem antes ver pela janela a neve caindo. Mas antes de passar aqui em casa, vai numa lojinha comprar filmes pra minha Kodak!”

– Vovó, agora as máquinas são digitais, não precisam mais de filmes.
– Mas a minha precisa, e eu não quero ser pega desprevenida como aconteceu na neve de 1975: venderam todos os filmes e eu não consegui fotografar a volta do teu avô fazendo um boneco de neve, depois de seis anos desaparecido. E também não vai esquecer o pulôver amarelo de tricô! Para dona Hilária, que não só de nome é uma graça, o dia 17 de julho de 1975 está marcado como uma cicatriz no encardido calendário que ainda hoje guarda pendurado na porta da cozinha. É a cicatriz de sua vida. E como não esquecer aquele dia da Curitiba branca de neve?

Quituteira, Hilária tinha 26 anos quando conheceu o paraguaio Pancho, um contrabandista fornecedor de uísque para as melhores famílias curitibanas. Foi paixão de primeiro olhar, na saída de uma mansão do Jardim Los Angeles, onde ele tinha acabado de entregar uma caixa de Buchanan´s 12 anos e ela uma cesta de salgadinhos.

Hilária e Pancho ficaram (ficaram no modo moderno de dizer) juntos quase um ano, quando o paraguaio foi buscar uma mala de dólares falsos em Buenos Aires e nunca mais voltou. Sumiu. Hilária gastou o que tinha e o que não tinha à procura do paradeiro do amante: não estava preso, não estava em Buenos Aires, em Montevidéu, Asunción e muito menos em Foz do Iguaçu. Nem com o corpo no fundo do lago de Ipacaraí Pancho foi localizado.

E assim passaram-se os dias, até que três anos depois outro contrabandista, este argentino, procurou Hilária com notícias do amado: com a venda dos dólares falsos, Pancho havia fugido para o México e, assim que a encrenca esfriasse, ele voltaria para Curitiba com intenção de casar e botar a vida nos eixos.

Feita uma Penélope, mulher de Ulisses, Hilária passou mais três anos tecendo um pulôver de tricô. Quando o pulôver ficou pronto, no dia 17 de julho de 1975, a Penélope estava na cozinha lavando a louça do café da manhã com os olhos grudados na neve que caía e eis que o Pancho apareceu na janela. A neve e o Pancho, o Pancho e a neve. Dois milagres no dia 17, outro ainda no dia 20 quando casaram no cartório Cajuru, do João Lazzarotto, irmão de Poty.

Pancho morreu no ano 2000, deixando uma filha e esse neto que veio buscar Hilária para ver a neve em São Joaquim, Urupema, Urubici ou Bom Jardim da Serra, onde quem sabe Pancho lhe apareça outra vez na janela.

– Será que vai nevar? – insistiu na dúvida a esperançosa Hilária antes de embarcar no carro do neto, que vestia aquele velho pulôver amarelo que fora do amado contrabandista paraguaio.

Dante Mendonça (O Estado do Paraná)

.

Fonte: o nosso SolDa de cada dia

~ por Barbara Kirchner em 05/08/2010.

Deixe um comentário