Páginas Imortais: Alma

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Alma Pegue o espírito.

 

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“Mas a carne que é humana! A alma é divina.

Dorme num leito de feridas, goza

O lodo, apalpa a úlcera cancerosa

Beija a peçonha, e não se contamina!”

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( Excerto do poema Gemidos de Arte, do livro Eu, de Augusto dos Anjos)

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O genial Nelson Rodrigues dizia que a única coisa que o mantinha de pé era a certeza da imortalidade da alma. “Eu me recuso a reduzir o ser humano à melancolia do cachorro atropelado. Que pulhas seríamos se morrêssemos com a morte.” Pré-existente e sobrevivente, alma é coisa do outro mundo. Negando ou aceitando, todos palpitam. Primitivos, bárbaros ou totêmicos, todos carregamos o diabo da alma que nos carrega. Os ateus, que Deus os perdoe!, já escreveram tratados tratantes, teses massudas, doutorados primários, filosofias magoadas, enciclopédias incompletas, dicionários ilegíveis, só pra negar uma coisa que, para eles, deve ser quase visível de tão palpável. Na Terra, entre robalos, traíras e trutas, tem gente que não consegue ser fiel nem à sua própria alminha. Pescadores de Almas e Homens sabem que alma é luz sob medida. Quem acha que “alma” é igual a “energia” deve bater papo com o ferro elétrico. Ou pedir para o ligarem numa tomada na hora da morte, pra ver se volta. Cruz e Souza era uma boa alma. Augusto dos Anjos era um anjo. Allan Kardec, espirituoso, trouxe a alma do outro para este mundo, isso no Ocidente. No Oriente, há milênios, já era assunto de botequim essa coisa viva que agita a matéria, submetida à lei de causa e efeito, ao “karma”, progredindo ao infinito. Por isso, não é possível que os curitibanos Paulo Leminski e Marcos Prado tenham nos abandonado. Olhe bem, preste atenção. Eles estão aqui. Só pra você ver, leitor(a), como as almas estão com tudo e não estão prosa.

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Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado

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Eternidade Retrospectiva

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Eu me recordo de já ter vivido,

Mudo e só por olímpicas esferas,

Onde era tudo velhas primaveras

E tudo um vago aroma indefinido.

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Fundas regiões do Pranto e do Gemido,

Onde as almas mais graves, mais austeras

.Erravam como trêmulas quimeras

Num sentimento estranho e comovido.

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As estrelas longínquas e veladas

Recordavam violáceas madrugadas,

Um clarão muito leve de saudade.

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Eu me recordo d’imaginativos

Luares liriais, contemplativos

Por onde eu já vivi na eternidade!

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Cruz e Sousa

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palmas para as vaias que elas merecem

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não têm valor

os valores que não valem vaias

não têm alma

as almas que não batem palmas

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vamos aplaudir as palmas

salvas de palmas para as almas salvas

sonoras vaias

aos que não podem ir sem levá-las

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Thadeu W, Plínio Gonzaga e Sérgio Viralobos

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descascando cebola

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dentro do dentro

no meio do miolo

nas profundas do centro

do núcleo de tudo

é ali, no fundo, no fundo,

que habita você

minhalma doutro mundo

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Roberto Prado

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Do livro O

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se o corpo abandonar minha alma

não tenha de mim uma idéia falsa

não chore, mantenha a calma

estou morto por minha causa

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cuidado: assim como sua mala

o meu caixão não terá alça

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Marcos Prado

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Rumo ao sumo

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Disfarça, tem gente olhando.

Uns, olham pro alto,

cometas, luas, galáxias.

Outros, olham de banda,

lunetas, luares, sintaxes.

De frente ou de lado,

sempre tem gente olhando,

olhando ou sendo olhado.

Outros olham para baixo,

procurando algum vestígio

do tempo que a gente acha

em busca do espaço perdido.

Raros olham para dentro,

já que dentro não tem nada.

Apenas um peso imenso,

a alma, esse conto de fada.

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Paulo Leminski

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minha alma

anda anoitecendo

cedo demais

dia claro

e a escuridão

lá dentro

pipocando

estrelas geniais

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Solda

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ciclovida

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a

alma

é o

tempo

o

corpo

é o

espaço

.

a

alma

ocupa

o

corpo

espaço

e

tempo

se

completam

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a

alma

deixa

o

espaço

o

corpo

deixa

o

tempo

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Rui Werneck de Capistrano

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alma gêmea

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jamais imaginei a tua imagem

mas quando a vi reconheci

o tempo parado a esculpir

tua beleza que pede passagem

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Antonio Thadeu Wojciechowski

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Irene no Céu

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Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:

-Licença, meu branco!

E São Pedro bonachão:

-Entra, Irene. Você não precisa pedir licença!

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Manuel Bandeira

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Uma alma de Dalton Trevisan

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Texto 51, do livro 234

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– Quando você pula do trampolim, um friozinho na barriga, sente que o corpo se separa da alma – e cai mais depressa que ela. Aos gritos de perdê-la pela boca aberta.

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Dalton Trevisan

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Surrupiado na íntegra do Polaco da Barreirinha, vulgo Thadeu Wojciechowski

~ por Barbara Kirchner em 01/09/2013.

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